Sabe lidar com a pessoa vítima-manipuladora?

19-01-2020

"Nunca sabia com o que contar. Tudo era ambíguo. No primeiro momento eu era o herói para logo depois ser o agressor desta eterna vítima." (JM, paciente). 

Como descrever uma pessoa vítima-manipuladora? 


Manter o papel de vítima ao longo da vida pode ser uma estratégia com inúmeras vantagens. Protecção, compaixão, atenção, apoio, são factores que uma pessoa com um papel de vítima adquire de forma imediata. Imunidade para tudo o que de errado acontece é outro dos benefícios porque tudo o que diz ou faz, e tudo o que sucede, é construído e legitimado, à priori, com boa intenção, com sensibilidade apurada. 

Sem dúvida, uma pessoa vítima de acontecimentos funestos e incidentes existenciais requer todos aqueles gestos emotivos e sentimentos de resguardo face à vulnerabilidade em que a situação de agressão a expôs. 

Mas... e depois?

Se a vitimização se prologa no tempo, será apenas um efeito protector o que a eterna vítima pretende com o seu papel?


A personalidade da vítima-manipuladora


A personalidade da vítima-manipuladora é, na maioria dos casos, passiva-agressiva: uma passividade que joga com os outros e uma agressão que realmente agride mas, se há uma reviravolta dos acontecimentos, a reacção dos outros transforma-se em (mais uma) agressão para a vítima.

Contudo, há por detrás da vitimização manipuladora, o cálculo (inconsciente ou consciente) da chantagem emocional e do enredo de bastidores no qual caem os mais incautos ou os menos preparados para lidar com estas situações.

Por vezes, a vítima manipuladora foi, com efeito, uma vítima: sofreu um, ou mais, traumas. Houve um acidente, foi exposta a circunstâncias difíceis, teve uma infância infeliz, foi abusada, maltratada, rejeitada. Existem, obviamente, situações reais de vitimização que dão origem a uma condição objectiva de "pessoa vítima".

Contudo, se esse padrão se mantém ao longo do tempo transforma-se no cartão de visita da pessoa, no seu estilo de vida, no seu traço de carácter predominante. Depois de sair da situação específica de impotência, essa pessoa mantém o papel de vítima como uma escolha de vida. O mundo transforma-se na fórmula "todos são maus para mim, então, eu tenho de sobreviver de qualquer forma, não importa qual". 

A vítima escolhe este papel enquanto processo existencial para obter privilégios que de outra forma não seriam obtidos. Este tipo de vitimização manipuladora pretende assim garantir que o seu sofrimento é delicadamente exposto enquanto curriculum de vida (e não enquanto possível processo de superação). Em casos psicologicamente graves, a vítima manipuladora acredita ter carta branca para alimentar comportamentos que magoam os que lhes cercam.

Reconhecer e lidar com uma vítima manipuladora é difícil. 

Preste atenção a estes comportamentos: 

Mensagens de vitimização: é um tipo de táctica aplicado na maioria dos seus relacionamentos; as reacções são histórias de vitimização unilateral dirigidas à pessoa que pretendem atingir. Exemplos: "ninguém imagina como foi difícil chegar aqui"; "não sou o tipo de pessoa de me queixar mas a verdade é que ninguém me ajudou"; "já sabia que isto ia correr mal, já é hábito"; "não esperava o teu contacto, foste a única pessoa que se aproximou de mim"; "és a melhor pessoa que já conheci na vida"; "sofri aquilo que não desejo a ninguém e agora ninguém quer saber"; "não seria capaz de fazer isto nem ao meu pior inimigo".

Vitimização manipuladora: a pessoa com este perfil é capaz de distorcer qualquer história até que acabe por ser vítima da situação que ela própria criou. O mundo inteiro torna-se responsável pelas injustiças a que sente estar sujeita. Frequentemente, a distorção vem acompanhada por enredos de bastidores com frases como "ela disse que ele pensou que estavam a sentir pena de mim" ou "já vi muitas vezes pessoas como tu, aproximam-se porque têm compaixão pela minha situação passada, mas depois usam-me" ou "julguei que sabiam". Frequentemente a vítima-manipuladora assume o papel de alertar os outros sobre más intenções alheias e justifica este papel por saber muito bem o que se passa nas entrelinhas da vida dado o seu sofrimento passado. Entretanto, se os outros não acusam sensibilidade para os sinais de alerta que a vítima assinalou, podem ser acusados de apatia ou falta de inteligência.

Narcisismo: por vezes, a vítima manipuladora possui um talento genuíno e, por isso, acredita merecer um tratamento excepcional. De certa forma, à medida que aprende a manipular os outros através dos seus comportamentos de vitimização, aprende a sobreviver à custa da sua inteligência para jogar com os comportamentos ou com as vidas dos outros e isso traz-lhe um sentimento narcísico que muitas vezes tem dificuldade em controlar.

Raiva e medo: estas emoções, em conjunto, são as que mais definem o estado emocional da vítima-manipuladora. Ela abriga uma mistura de raiva e medo as quais podem não estar permanentemente a sentir, mas que são como que o farol a iluminar possíveis perigos iminentes. Assim, a vítima-manipuladora projecta constantemente a raiva e o medo no ambiente, pressionando os outros e enviando mensagens subtis com origem nestas emoções. Se os outros reagem, a vítima-manipuladora imediatamente assume o seu papel já muito familiar de vítima.

PURO APOIO